Amigos, dando continuidade ao último texto pergunto-me: Porquê Deus?
Sabemos onde este Deus começou. Segundo aquilo que conhecemos começou com Abraão, ao qual chamamos o pai de todos os crentes. No tempo em que viveu dominavam as culturas politeístas onde vários deuses eram criados segundo as necessidades dos homens por respostas aos acontecimentos da vida. De tantos deuses, uns eram criadores e defensores dos bons acontecimentos da vida do povo, outros deuses da guerra, deuses destruidores, deuses do mal. Estes eram deuses que pelo seu poder manipulavam a acção daqueles que os seguiam.
É então que se revela em Abraão algo novo, diferente da lógica politeísta vivida naquele tempo. Abraão encontra-se com um único Deus que de Abraão faz uma nova geração enviando-o por um novo caminho. Terá Deus falado com ele ou nascido em Abraão uma nova compreensão do mundo que o envolve? Nasceu com certeza um novo caminho criado a partir da relação de Abraão com Deus, uma relação de confiança, de entrega, de Amor.
Ao longo daquela à qual chamamos a História da Salvação, história da relação do homem com Deus, muitos se seguiram neste mesmo encontro íntimo com Deus que ama e conduz a humanidade num caminho de realização, num caminho de construção da eternidade que é presença plenamente construída do amor para a qual todos nós caminhamos. Neste caminho conhecemos a libertação do povo do Egipto por Moisés e a condução desse povo para um novo país, uma nova vida. É a mesma relação de libertação que chama Samuel ao caminho do Amor e que o leva mais tarde a escolher David como homem consciente da sua relação com o mesmo Deus.
A história no seu decorrer vai institucionalizando a relação numa religião e, pouco a pouco, aquela que era uma lógica de relação torna-se uma lógica de poder, de imposição do mais forte sobre o mais fraco. Assim limita-se o povo ao cumprimento de uma série de normas e preceitos “agradáveis a Deus”, regendo-se um povo por uma só cabeça que já não é a cabeça de Deus.
Eis que profetas anunciam a vinda do Filho de Deus que ser revela por vezes diferente daquele que esperavam. Talvez fruto da falta de relação com o Deus verdadeiro, mas ligados à relação de poder institucionalizada. Surge então aquele que se revê na profecia de Isaías, o Jesus de Nazaré, o homem simples, que quebra todas as lógicas instauradas, ao contrário daquilo que dele esperavam.
Este é o Jesus que restaura a relação com Deus, restaura a aliança, falando por linguagem bíblica. É o Jesus que contra as leis judaicas ressuscita aqueles por quem passa e toca. É o Jesus que se senta à mesa com os pecadores, o Jesus que se junta aos leprosos, que cura os cegos que faz andar os paralíticos, todos eles excluídos da sociedade pelas leis do seu tempo. Mas Jesus contra tudo isso acolhe-os no seu amor e relança-os numa relação com o Deus esquecido. É este o Jesus que nos acolhe como iguais, como irmãos, na mesma dignidade de filhos de Deus tal como ele é filho de Deus. É este o Jesus que sinto que me eleva às palavras “Mistério da Fé” na oração eucarística. Nós ajoelhados diante o filho de Deus, colocando-o num patamar superior a somos por ele elevados á sua dignidade e, nessa dignidade, anunciamos a morte, proclamamos a ressurreição quando temos presente em nós o Senhor Jesus que não é Senhor mas irmão.
É para todos nós importante a recuperação desta relação estreita com o Jesus tão diferente daquele que vivemos e anunciamos, e o qual só recuperaremos se mais interessados em descobri-lo. Este Jesus não está na nossa oração passiva que não leva a lado nenhum, pois não podemos espera que Jesus faça o que tem de ser feito por nós quando iluminados pelo seu amor. É na leitura mais assídua e interrogativa da bíblia que podemos encontrar o verdadeiro rosto de Jesus em cada um de nós e verdadeiramente recreadora da relação verdadeira com Deus, que nos torna a todos filhos como Jesus é filho e irmão como Jesus é irmão.
No início da visita pastoral à nossa comunidade de São João da Madeira, o João Lavrador, que é Bispo auxiliar na nossa Diocese do Porto, retira o Dom para ser o João Lavrador que antes de mais é nosso irmão. Na primeira eucaristia celebrada tranquila e demoradamente connosco fala-nos na sua homília precisamente da necessidade desta nova relação com Deus que nos torna a todos irmãos. Irmãos estes que na diversidade dos seus dons estão aptos para desempenhar a sua missão na Igreja de novos Evangelizadores. Evangelizadores da verdadeira relação libertadora da igualdade de irmãos filhos do mesmo Deus.
Sejamos capazes de reflectir e partilhar o fogo que nos arde no coração e vivamos felizes na paz de Cristo.
Shalom
